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os nossos olhos, meus e teus, como os nossos olhos sérios e parados numa certeza, dois espelhos a reflectirem-se, um lago diante de um lago, uma montanha sempre, para sempre, diante de uma montanha, os nossos olhos são essa certeza no momento em que os nossos rostos começam a aproximar-se, e muito devagar, como um instante definitivo, fechamos as pálpebras sobre os olhos porque abrimos universos dentro de nós, e a respiração que sentimos na pele, que não sabemos se é tua ou minha, é a respiração que ouvimos como tempestades de uma hora de pânico e ânsia cega, oceanos à noite, praia de afogados nocturnos e solitários que dão à costa e, ao mesmo tempo, marés de verão, risos de crianças como espuma de ondas, praia de brilho e mar, maré, respiração que sentimos na pele, e o tempo pára, o tempo que passava pára no instante definido concreto, em que um ponto dos teus lábios toca um ponto simples de carne sensível dos meus lábios, o tempo é a paisagem parada à nossa volta, que arde com as chamas de um incêndio, entro no interior de ti para procurar-te, corro e corro dentro da tua escuridão, salto troncos caídos, os meus passos agarram-se à terra e levantam as folhas que a chuva derrubou dentro de ti, beijo-te como se chorasse, e tu encontras todos os caminhos dentro de mim, sem palavras, pedes que te abra estradas e fico a ver-te enquanto te afastas e te aproximas mais e mais do centro único do meu interior, da minha única escuridão, beijas-me como se chorasses, e será sombra, penumbra, ou será uma explosão de luz, uma força incandescente que explode, que nos empurra o peito, que nos lança para longe, que nos lança no ar, que nos dispara no céu, os meus teus lábios os teus meus lábios, e o tempo recomeça, assente num instante medido com uma régua na superfície limpa livre do tempo, os nossos rostos não querem afastar-se, mas, na pele sensível, o último toque do último ponto dos meus e dos teus lábios, e a respiração, há universos que voltam a ser arrumados, aquilo que tocámos e que explodimos volta de novo ao seu lugar, e a respiração, estendem-se de novo os rios, é longo o vento, abrimos as pálpebras sobre os olhos e somos de novo a segurança da nossa certeza, e os nossos absolutos olhos, meus e teus, são dois espelhos a reflectirem-se, são um lago diante de um lago, são uma montanha sempre para sempre, diante de uma montanha. . |