str8splash
escrever é esquecer, falar é esconder a voz. por isso só escrevo para chegar ao branco da última palavra.
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Idade: Para ter juízo
País: Portugal
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frases à solta
eu vi
a sereia de plástico esfacelar-se
no rubro sal das marés portuguesas
seios tolhidos no sangue de um lápis de côr
na boca a fúria das viagens: europas,
américas arábias mares estreitos onde
é possível morrer
novos países novas profundidades
delirantes visões por entre o coral
do teu corpo nómada vestido de neblina
e de rios
breves lâminas sulcam a memória de
pequenos espectáculos e tua mão
abre-se para nos oferecer um ovo
ou seria o mundo pintado de branco
e amarelo?
eu vi
a sereia do sonho cansado levantar-se
luminosamente
caminhar incerta pela noite adiante
olhos vibráteis captando a fragrância
preciosa dos distantes marinheiros em cio
os dedos por cima doutros sexos lisos
como os limos que escorregam para dentro
dos sonhos
inocência calcária dos dias
medusas mortas
o corpo enchendo-se com os despojos de um mar
eu vi
a sereia em plástico português
crescer das pérolas insones duma ostra
e vergar o corpo sobre a folha de papel fascinada
abria os lábios húmidos para sugar o sexo
do marinheiro desenhado
escondia-se depois numa fresta penumbrosa do cais
prelongava a vigília do corpo na observação dos astros
enquanto tu continuaste a desenhar
eu vi
sua transparência de saliva pura atravessar
corpos e estrelas sem que seu corpo sofresse
ou sua transparência diminuísse
até que a noite sequiosa abria caminho às facas
adivinhadas
e ao sexo em prazer vagaroso
onde peixes luminosos traçam na água as linhas
da palavra da mão
eu vi
a sereia de plástico construír um país
e um veleiro para se evadir na direcção doutras ilhas
levando por bagagem os detritos dados à costa:
garrafas brancas de gin nocturno
sapatos inchados
panos
preservativos usados
cacos de louça
embalagens coloridas
cartões de caixas ao vento
velas da imensa jangada
vestígios de comida rápida
pentes
vidros
filmes
madeiras
fotografias que o tempo recusou morder
e navegou
navegou demoradamente
conheceu a sede e a fome
o frio a neve de flutuantes ilhas
a alucinação
eu vi
a sereia embriagada abrir garrafas de cerveja
com os dentes
e oferecer flores envenenadas aos amantes
dobrada sobre as dores da velhice
deixava-se caír
na vertigem fortíssima da aguardente
roía as unhas e a ferrugem dos brinquedos
desenterrava da memória colheres delirantes
restos de rostos carbonizados
areias cobertas de ouro e de peçonha
eu vi
a sereia fender seu próprio corpo a golpes de sílex
e tatuar perto do antigo coração um rosto
um cereal doente nas veias rasgadas por monstros marinhos
e pelo medo do fim da adolescência
eu vi
a sereia de plástico português abrir um sulco de solidão
o precipício
e renegar o falso mel da terra debruçada
sobre o esquecimento
rectângulo da monotonia donde soçobra o vómito
tudo enlouquece na ponta do lancinante lápis
as lágrimas o grito
eu vi
a sereia soltar das sua mãos a última paisagem
viva
a papoila opiácea da morte envolvendo corpos
antes de mergulhar para sempre na escuridão
contínua do mar
eu vi
avermelhadas planícies
onde minúsculos animais fluorescentes semeiam
olhos muito abertos
rasgando o confuso orvalho com suas caudas peludas
enroscando-se no doloroso pulso
transformam-se em pulseiras de sangue
a serpente mineral estrangulando o dedo
e no ombro do mar o adolescente nú reclina o corpo
de água
dentro do emaranhado de libélulas enfurecidas
voando voando voando
eu vi
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{12.5.06 . a imagem}
Esta imagem é do quadro "Traum 1913", de Franz Marc.
É a imagem que reveste a parede do quarto de uma mulher muito especial.
Quantas noites de sonho passadas e embaladas por esta imagem...
str8splash blogged on 12.5.06
.
adivinha
O que uma pessoa faz para ser original! Paciência.
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